De
um modo geral as experiências da vida podem ter mais que uma leitura. As
situações com as quais nos deparamos guardam a possibilidade de serem
interpretadas de modos diferentes.
Primeiro
é importante que superemos a lógica de tratar o diferente como errado ou como
ofensivo. A forma de pensar dos outros não é equivocada somente porque é
diferente daquela que julgamos correta; a interpretação que a outra pessoa tem
de algum aspecto da vida não está absolutamente desviada simplesmente pelo fato
de termos tido a respeito daquela mesma situação uma interpretação diferente. O
diferente não é sinônimo de errado!
Uma
segunda observação vincula-se ao fato de que os temas que envolvem opiniões
pessoais adotam um padrão de veracidade diferente daquele utilizado pelas
ciências naturais, que, diga-se de passagem, não goza em nossos dias da
absoluta credibilidade de outrora, como alguns pensam.
Nas
ciências naturais trabalha-se com a noção de prova, assim, uma coisa é
verdadeira porque pode ser provada. A prova material, nesse sentido, cria a
segurança de veracidade que possibilita dizer que certa coisa é verdadeira: as
leis da física, as experiências da química, as explicações da biologia etc.
Nesses campos os cientistas fazem certa afirmação e a validam por meio das
provas que produzem.
Mas
nos aspectos da vida que não produzem esse tipo de prova é necessário trabalhar
com outros critérios, logo, o verdadeiro e o falso; o certo e o errado; o bem e
o mal; o justo e o injusto etc. se constroem a partir de outros padrões
discursivos e interpretativos e não é possível, ou pelo menos não é prudente,
que se adote o padrão das ciências naturais para avaliar, julgar ou validar as
“verdades” dessas áreas.
Por
fim é indispensável esclarecer que a possibilidade de existirem interpretações
diferentes e legítimas a respeito de certas situações não é o mesmo que
estimular que toda e qualquer interpretação seja válida, ou seja, abrir-se para
existência de percepções diferentes não é abrir mão do sentido ou da racionalidade;
não é o mesmo que dizer que qualquer coisa está certa ou é legítima. É
necessário que as interpretações que queiram participar legitimamente dos
debates interpretativos tenham o mínimo de coerência e traduzam interpretações
razoáveis e discutíveis. O relativismo é um mal tão danoso quanto o
fundamentalismo absolutista.
O
grande exercício passa, portanto, pela leitura daquilo que é o não-dito. Antes
de julgar como equivocada uma opinião diferente da sua, tente ler para além
daquilo que está explícito na sua interpretação e na interpretação do outro. Há
diversas coisas não-ditas; há interesses e ideologias que alimentam os
discursos e que não estão explícitos nos enunciados. Mas atenção: isso vale
para avaliar a interpretação do outro e a sua, afinal, essas são
características das interpretações de um modo geral e não apenas das
interpretações dos outros!