Por
heranças de antigas escolas filosóficas e teológicas, a sociedade ocidental
aprofundou e até exagerou um modelo dualista de interpretar a realidade. Dois
conceitos são interessantes para nós nessa reflexão: dualidade e dualismo. A
dualidade tem a ver com a aceitação de que certa situação é melhor compreendida
quando se considera a existência de duas dimensões que se inter-relacionam, ou
seja, ao invés de se considerar isoladamente um evento, leva-se em conta suas
conexões diretas ou indiretas com outra realidade a ele vinculado, assim, uma
realidade conduz à outra de modo dialógico. Por exemplo, a relação entre o
professor e o aluno: entende-se melhor a função do professor analisando-o na
relação com o aluno, afinal, o que poderia ser compreendido acerca do professor
se não existissem alunos?
O
dualismo, por sua vez, também considera a existência de duas realidades para a
compreensão, porém o faz de modo bem diferente, pois no dualismo exerce-se uma
grande força no sentido de desqualificar uma das realidades para garantir
validade ao aspecto que se quer compreender ou defender como legítimo, ou seja,
o dualismo não trabalha com a possibilidade de existirem integrações, ao
contrário, as realidades são vistas como excludentes. Por exemplo, visão
medieval sobre corpo e alma: o corpo é ruim, propenso ao pecado etc, a alma é
boa, voltada para a graça... um exclui o outro! Ou o indivíduo atende aos
desígnios da alma ou aos infortúnios do corpo.
A
princípio, podemos dizer que uma leitura dual (de dualidade, sem o “ismo” que indica exagero!) não
representa grande ameaça, contudo, as leituras marcadas pelo dualismo são
perigosas e impedem de enxergar, de modo mais equilibrado, diversas nuances das
realidades que nos rodeiam, apesar de tais posicionamentos gerarem uma atraente
sensação de segurança.
O grande
desafio é superar a ideia de que o mundo está dividido em dois grupos
radicalmente bem definidos: de um lado os bons; do outro, os maus. De um lado
os justos, os heróis, os abençoados, os verdadeiros, os escolhidos... do outro,
os injustos, os bandidos, os amaldiçoados, os mentirosos, os renegados. De um
lado, aqueles que pensam como nós: pessoas admiráveis e bem quistas, do outro, os
que pensam de modo diferente: dignos de pena e indesejáveis.
Será que
as pessoas e realidades se encaixam de modo tão exato dentro dos conceitos que
criamos? Perguntando de outro modo: os conceitos seriam capazes de exprimirem
exatamente o que são as coisas ou as ações das pessoas? É confiável enquadrar
as pessoas em rótulos rígidos? Considerando-se a suposta divisão mencionada no
parágrafo anterior, temos fundamentos para dizer que umas pessoas são boas (só
boas!) e outras ruins (só ruins!) ou seria mais razoável dizer que as pessoas
apresentam comportamentos bons e outros ruins? Têm qualidades e defeitos?
Os
rótulos destroem quem rotula e quem é rotulado, ainda que por razões
diferentes.