28 setembro 2023

O valor da pessoa e as redes de proteção

Alegria e paz!

A pessoa humana é dotada de uma dignidade inviolável e inafastável, cujo fundamento é o próprio fato de ser pessoa, ou seja, a dignidade da pessoa humana não vem de fora; não nasce por causa de uma lei ou de uma filosofia; não se limita a uma fé religiosa. A dignidade, isto é, o valor natural e inseparável de cada pessoa, existe a partir do instante que a pessoa é concebida.

A clareza de que a pessoa tem uma dignidade intocável deve ser o ponto de partida para as interpretações sobre a vida e sobre a sociedade, de tal forma que sempre se pregunte: esta situação fere a dignidade da pessoa humana? Esta decisão – individual, comunitária, social, governamental – coloca em risco ou gera prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para uma pessoa ou para um grupo de pessoas? Toda vez que a resposta for sim para estas e outras perguntas semelhantes, vale a pena auto avaliar ou avaliar os pensamentos, sentimentos e ações.

A dignidade da pessoa, todavia, não é apenas um discurso teórico ou um princípio abstrato a ser usado em discursos ou textos reflexivos, ao contrário, a dignidade humana deve ser garantida nas situações concretas da vida cotidiana; deve ser assegurada na efetivação dos direitos de cada pessoa, de cada indivíduo. Não tem sentido reconhecer a dignidade da pessoa humana nas declarações jurídicas, filosóficas e teológicas e deixá-la perecer na vida das pessoas, pois é exatamente aí, na vida de cada ser humano, que sobrevive ou morre a dignidade humana.

A preservação e a valorização da dignidade humana acontecem, de forma mais eficiente, quando as redes de relações sociais compreendem seu papel e se tornam territórios favoráveis ao desenvolvimento integral da pessoa. Redes de proteção saudáveis e honestas representam ambiente fértil para o cultivo da dignidade humana e mecanismos de fiscalização que coíbem as ameaças.

A primeira rede social importante é a família. A família precisa ter as condições necessárias para fazer com que seus membros – desde quem está na vida intrauterina até os que estão na velhice – sejam respeitados como pessoas, sintam a força do amor que os une e tenham as condições materiais, emocionais e espirituais para o crescimento e o bem viver. A família precisa cultivar práticas que estimulem respeito e valorização de cada membro.

A segunda rede importante é a comunidade. O ser humano que tem laços comunitários possui maiores condições de realização como pessoa. A comunidade é o espaço onde as pessoas experimentam o sentimento de pertença a um grupo maior que a família e descobrem que suas angústias e dores, suas alegrias e tristezas são comuns a mais pessoas; na comunidade nasce o espírito de solidariedade, de voluntariado, de partilha; nascem os laços que fortalecem para os desafios da vida.

A terceira rede é a escola, território da educação formal que deve preparar para a vida adulta, para a convivência social equilibrada e para o mercado de trabalho. A escola deve cuidar para que seus processos jamais sejam excludentes; deve se levantar contra os privilégios que perpetuam as desigualdades. A escola deve estimular a criatividade e o respeito à diversidade; deve garantir que alunas e alunos tenham as condições necessárias para serem aquilo que são e para que se desenvolvam na direção que sonharam.

Pessoas respeitadas e empoderadas na família, na comunidade e na escola se tornam mais conscientes de seus papeis na sociedade – quarta rede de relações sociais. Uma sociedade é tão melhor e mais justa quanto mais consegue desenvolver compromisso com a dignidade de cada pessoa.



* Diácono Permanente da Diocese de Governador Valadares/MG, Professor, Advogado.

joselucianoprofessor@gmail.com

Humanidade: um valor incontestável

Alegria e paz!

O conceito de humanidade é um dos mais importantes produtos que a racionalidade já construiu, pois, por intermédio deste conceito se criou a compreensão de que a pessoa humana tem um valor inerente, intrínseco, logo, o exercício de direitos e deveres próprios do ser humano não precisa buscar fundamentos fora da natureza, devendo ser, pelo menos do ponto de vista lógico, de reconhecimento imediato.

Considerar a humanidade como valor, entre outras coisas, cria compromisso com duas atitudes: 1) agir considerando que nenhuma pessoa pode ser instrumentalizada para alcance de quaisquer finalidades; 2) considerar que cada pessoa é única, portanto, deve ser respeitada e tratada a partir de sua singularidade.

Cada pessoa carrega dentro de si a essência da humanidade. As contingências da vida sociocultural (condição econômica, grau de escolaridade, crença religiosa, orientação sexual etc.) ou as marcas biotípicas (altura, peso, cor, da pele, tipo do cabelo etc.), jamais podem servir de justificativa ou desculpa para que alguém seja tratado com esvaziamento de sua humanidade ou instrumentalizado para alcance de quaisquer objetivos.

Nenhum ser humano é escada para que alguém suba e chegue nalgum lugar; não é objeto para ser usado em favor de prazer unilateral; não é fonte de energia (bateria) a ser explorada para produzir lucro; não é massa para ser manobrada política, ideológica ou religiosamente em favor dos interesses de instituições ou grupos. Compreender que a humanidade inteira pulsa dentro de cada ser humano é comprometer-se a não compactuar com todas as formas de instrumentalização das pessoas.

A instrumentalização do ser humano é sempre imoral e vergonhosa. Inaceitável e eticamente escandalosa, pois transforma em meio, um ser que nasceu para ser fim. O humano é fim em si mesmo. Sua realização (felicidade em todas as dimensões do existir) deve ser o fim a ser perseguido. Deve ser a meta almejada e passível de ser alcançada.

O reconhecimento da humanidade de cada pessoa leva a outro compromisso: perceber e respeitar cada ser humano como único. Nenhuma pessoa é igual a outra; cada pessoa, dotada da essência da humanidade, é absolutamente ímpar, logo, não é lógico, não é racional, não é sinal de inteligência esperar que os comportamentos individuais, os desejos, os sonhos, a forma de pensar, crer e sentir sejam idênticos.

A imposição de padronização, especialmente quando viola ou violenta a especificidade de cada ser, é desumanizante, ou seja, fere a humanidade que pulsa no indivíduo. Cada pessoa goza do direito de buscar sua realização a partir de suas características; cada pessoa precisa ter as condições necessárias (oportunidades reais) para se desenvolver a partir daquilo que julgar o melhor para si, sem ser decotada em sua humanidade porque não se enquadra em padrões. O respeito à humanidade de cada pessoa se materializa na aceitação da particularidade que individualiza e identifica cada ser humano como único.

Os avanços e desenvolvimentos; as teorias e interpretações, que ignoram a humanidade latente em todos e em cada ser humano, é duvidosa, portanto, busquemos os caminhos de aperfeiçoamento que não instrumentalizam as pessoas e que respeitem as características de cada ser humano.



* Diácono Permanente da Diocese de Governador Valadares/MG, Professor, Advogado.

joselucianoprofessor@gmail.com

07 julho 2023

Como colher paz se você semeia aflição!

Oi! Tudo bem com você?

Vivemos tempos difíceis! Tempos sombrios! Os discursos de ódio crescem e o estímulo à violência ganha força e adeptos explícitos. A ideia de que a força deve se sobrepor ao diálogo tenta se naturalizar e a empatia denota fraqueza. Sacar primeiro a arma que agride e derruba o outro é sinal de orgulho e heroísmo, ainda que esta arma seja uma fala mentirosa e não uma pistola, fuzil ou uma granada.

A história registra outros momentos semelhantes a este. Momentos nos quais a barbárie subiu no podium para ser ovacionada, aplaudida e premiada com o troféu da irracionalidade. Não é a primeira vez que a arrogância tomou o lugar da sensibilidade e que a obscuridade, gerada pelo culto à ignorância, usurpou o lugar da civilidade e do bom senso. Como um pêndulo, a história volta a territórios já conhecidos e colhe os péssimos frutos da aflição.

Na base destes momentos trágicos há, entre outras, duas coisas que merecem atenção: a convicção, cultivada por alguns, de serem melhores que as outras pessoas; a confiança cega em um “líder” que cultiva e cultua ideais paranoicos.

O primeiro sintoma de tragédia aparece com a certeza de que uma parcela da humanidade é melhor que a humanidade inteira; que uma elite é dotada de superioridade cognitiva ou genética; que um grupo possui conhecimentos privilegiados, enquanto a população em geral é desprovida destes conhecimentos. É trágico: um pequeno grupo acredita que tem o direito de massacrar, com armas inclusive, quem pensa, crê, sente e vive de forma diferente de seu padrão, mesmo que seja o padrão tradicional. Esta convicção fere um princípio elementar, porém estrutural: na essência todas as pessoas são iguais, portanto, tudo o que nega esta igualdade precisa gerar desconfiança.

O segundo problema é a cegueira que surge quando as pessoas passam a confiar irracionalmente em um líder, principalmente quando este líder é adepto e propagandista de teses conspiracionistas e negacionistas. A lâmpada da cautela precisa acender em nossa mente quando nos dizem que tem alguém querendo destruir a sociedade e que o líder é o salvador da pátria. É preciso nos vacinarmos contra a manipulação de narrativas religiosas, morais e patrióticas a serviço da divisão da sociedade; é preciso fugir da mentira que cria inimigos imaginários, causando medo e ódio.

As duas tragédias – considerar-se melhor que os outros e confiar cegamente em um líder-mito – se escondem por trás de discursos aparentemente bons e saudáveis, embora revelem o pior lado humano. São propostas que parecem a coisa certa, por virem revestidas de religiosidade, moralidade e aparência de bem, mas semeiam o ódio, o medo e a aflição, portanto, jamais produzem os frutos da paz.

Por fim, é preciso lembrar que cada um de nós tem livre-arbítrio para escolher se apegar aos sintomas de tragédia indicados acima ou se vacinar contra eles. Será que aquelas formas de pensar nos representam de verdade ou estamos sendo vítimas de algum tipo de manipulação? É importante fazermos uma autocrítica séria e honesta para não sermos sementes de aflição, enquanto esperamos a colheita da paz.

O que você pode fazer hoje para lançar, no solo da história, sementes de paz e não de aflição?




20 junho 2023

Igualdade fundamental entre as pessoas

Por serem dotadas da mesma dignidade, todas as pessoas são iguais, independentemente de sexo, religião, cor da pele etc. Os critérios que atestam e asseguram as diferenças entre as pessoas, não devem justificar tratamentos que gerem discriminação ou esvaziamento da igualdade, afinal, o que diferencia as pessoas não pode invalidar ou ignorar o que as iguala.

Pelo princípio da igualdade, fica claro que as pessoas nascem dotadas de uma proteção capaz de protegê-las contra todas as formas de tratamento discriminatório ou depreciativo. O simples fato de ser pessoa proporciona a cada sujeito, o direito de ser igual a todos os demais e de ter igualdade de oportunidades. Nenhum sistema normativo (jurídico, ético, moral, religioso) pode propor ou legitimar uma forma de organização ou de interpretação que se faça a partir da negação da igualde fundamental entre as pessoas.

A igualdade fundamental, todavia, não deve ser usada como pretexto para negar que existem diferenças entre as pessoas. Embora pareça contraditório, a existência de uma igualdade essencial entre as pessoas não é sinônima de uniformidade: somos iguais, não somos idênticos!

As diferenças, outrossim, precisam ser respeitadas a fim de preservar a igualdade. As pessoas não precisam pensar da mesma forma para que se cumpra o princípio da igualdade, ao contrário, respeita-se a igualdade quando cada sujeito tem o legítimo direito de pensar como desejar. As pessoas não precisam crer da mesma forma ou manifestar suas crenças de maneira uniforme, pois é garantindo a liberdade de crença e de vivência da crença que se respeita a igualdade.

A igualdade serve, portanto, como princípio de organização das relações sociais e, neste sentido, as instituições (sociedade civil organizada, estado, associações, escolas, religiões, famílias etc.) são responsáveis pela efetivação de condições garantidoras da igualdade. Não trata apenas de reconhecer, teoricamente, a existência de um princípio de igualdade, mas de agir positivamente na criação de uma igualdade material que, aliás, não é gratuita, mas construída historicamente por intermédio das escolhas individuais e coletivas.

Não é possível falar de igualdade sem considerar a ocorrência de oportunidades geradoras de igualdade, enfim. A rampa de acesso é garantia de igualdade para quem usa uma cadeira para se locomover; a preferência na fila é salvaguarda para a idosa que vai ao banco para receber sua aposentadoria; o benefício de prestação continuada é proteção para a pessoa com deficiência; quando o aluno da escola pública, disputa uma vaga na universidade pública, apenas com alunos e alunas que tiveram a mesma formação que ele teve, busca-se igualdade.

A igualdade não pode ser apenas uma teoria bonita, uma ideia usada nos discursos, uma formalidade. A igualdade precisa ser uma realidade efetiva e efetivada por cada pessoa, por cada grupo, assim, a pergunta de milhões é: que escolha precisa ser feita, nesta situação concreta, para que as pessoas envolvidas sejam realmente respeitadas como iguais?

02 junho 2023

Sobre discernimento

 Olá! Espero que você esteja bem!

O substantivo discernimento vem do verbo discernir e significa a habilidade para avaliar e separar uma coisa da outra. A palavra pode ainda remeter à ideia de tirar as camadas que encobrem o cerne das coisas, ou seja, remover aquilo que dificulta ver a essência de alguma situação qualquer.

Aplicando o conceito à vida, podemos dizer que o discernimento é constituído de um conjunto de atitudes que nos permitem julgar as coisas e separá-las a partir de alguns critérios que, individual e socialmente, são considerados válidos. Discernir é perceber os prós e contras; o certo e o errado; o justo e o injusto; o real e o imaginário; o possível e o impossível; o plausível e o patético; o razoável e o ridículo etc.

No uso de nossas faculdades mentais ‘normais’, todos temos a capacidade de discernimento. Nossa racionalidade garante as condições necessárias para exercer, nas diversas situações da vida, a possibilidade de analisar e julgar o que está à nossa volta. Em grande parte, é isso que nos faz humanos e é nisso que consiste nossa festejada inteligência.

Há atitudes que potencializam e há atitudes que fragilizam nossa capacidade de discernimento. Há escolhas que favorecem e há escolhas que dificultam o exercício autônomo do discernimento. Embora a capacidade para discernir seja comum a todas as pessoas, as habilidades de discernimento podem ser ampliadas ou atrofiadas; aperfeiçoadas ou degradadas. Estas habilidades são como os músculos: se ficarem inertes ou forem mal-usadas, atrofiam e lesionam; se forem estimuladas e bem-usadas, crescem e ficam fortes.

A título de ilustração, é possível dizer que ler livros, assistir a documentários, procurar notícias em fontes diferentes, conversar com pessoas estudiosas e especialistas nos assuntos e manter a mente aberta para opiniões e pontos-de-vista diferentes são estratégias favoráveis ao fortalecimento das habilidades de discernimento.

Por outro lado, transformar em verdade inquestionável tudo o aparece para nós no Instagram, Telegram, Facebook, TikTok ou grupos de WhatsApp; acreditar em teorias da conspiração (aquelas que acham que há um complô para destruir a nação, a família, a religião, os bons costumes etc.); idolatrar pessoas ou ideias como se fossem dignas de nossa total confiança são caminhos de esvaziamento e até de sequestro da capacidade de discernimento.

O sequestro do discernimento leva ao fanatismo, estágio no qual se perde o senso de realidade e a pessoa fica numa situação similar à drogadição. O sujeito passa a ter comportamentos que só fazem sentido na realidade paralela (bolha!) dentro da qual está inserido; dispensa a necessidade de conexão entre o que ela acredita e os fatos, ou seja, a pessoa acredita em fantasias; apresenta comportamentos absurdos, ridículos e ilógicos.

A pessoa fanatizada não consegue ser facilmente acessada pelo canal racional, pois o sequestro da capacidade e da habilidade de discernimento leva a um bloqueio quase intransponível. A pessoa sente-se absolutamente segura com suas crenças fantasiosas e trata como ameaça qualquer tentativa de diálogo provoque questionamento sobre sua infundada forma de interpretar as coisas. Em regra, a pessoa fanatizada se isola do grupo social para convier apenas com quem pensa como ela e pode apresentar sinais de violência.

Cuide de si e de quem você ama. Fique vigilante para manter o fanatismo longe!

26 maio 2023

Liberdade: direito natural

 

Alegria e paz!

A liberdade é um direito natural, ou seja, cada ser humana, ao nascer, já traz consigo este direito. Como direito natural, a liberdade não pode ser desconsiderada por nenhum sistema jurídico, moral ou religioso, pois se assim acontecesse, tal sistema normativo estaria decotando algo que compõe a integridade de cada pessoa.

Por outro lado, é importante esclarecer o que se entende por liberdade. Seguramente, liberdade não consiste no direito de fazer qualquer coisa ou tudo o que o sujeito tenha vontade, ao contrário, um sujeito nesta situação seria escravo da insensatez. A verdadeira liberdade implica o exercício das possibilidades de escolhas dentro de situações concretas que respeitam algumas contingências ou limites, sendo, portanto, falso, o conceito de liberdade que ignora a existência de limites.

O exercício de escolhas, por exemplo, encontra o limite dado pela própria força da natureza, portanto, ignorar o império das leis naturais não é exercer liberdade: pular de um prédio ignorando que não tem habilidade natural para voar não é sinal de liberdade!

Outro limite importante é dado pelo direito das outras pessoas. É válido o ditado que diz que a liberdade de uma pessoa termina quando começa a liberdade da outra pessoa. Ora, se uma escolha pessoal lesiona a vida de alguém, esta ação não denota liberdade, ao contrário, indica desrespeito.

Os limites dentro dos quais a liberdade se estabelece, contudo, não são estáticos e frequentemente não é tão fácil percebê-los. A vida é dinâmica; os seres humanos são únicos; as circunstâncias da vida são incontáveis e a liberdade é exercida, na prática, considerando uma gigantesca diversidade de possibilidades que se conjugam, por isso é importante manter cautela quando se vai analisar a abrangência da liberdade de uma pessoa.

Outrossim, não é possível afastar da reflexão sobre liberdade o debate sobre responsabilidade, afinal, somos livres para fazer escolhas, mas não somos liberados das consequências das escolhas feitas. Uma liberdade que ignora a necessidade de responder pelos efeitos das escolhas é incoerente e imatura.

A vida de cada sujeito está fadada ao enfrentamento inevitável das implicações que decorrem do exercício da liberdade. Não é possível, para ser honesto, terceirizar estes acertos de conta que a própria história individual exige de cada pessoa, afinal, ainda que alguém tente transferir a responsabilidade pelas escolhas que fez, de alguma forma, está intimamente ligado aos fatos que levaram às consequências que tenta negar. Insistir em não responder pelas escolhas é viver de forma inautêntica.

O que se pode concluir é que a liberdade é um bem de valor inestimável e por isso mesmo deve ser respeitada e tratada com muito zelo, pois a negligência no uso da liberdade ou seu cerceamento injusto agridem a dignidade humana. Faz parte da essência humana fazer escolhas nas diversas dimensões da vida e responder pelos resultados das escolhas feitas. Quando isso ocorre de forma natural a liberdade está sendo respeitada e a humanidade está pulsando com vivacidade.

23 maio 2023

Violência: uma inclinação pré-social e não inteligente!

Tudo bem com você?

Thomas Hobbes, filósofo inglês do século XVI-XVII, defendeu, que o ser humano em estado de natureza, isto é, sem os controles que a vida social impõe, é mau, egoísta, individualista e, portanto, violento quando precisa defender seus interesses ou satisfazer seus desejos e necessidades. Para este filósofo contratualista a violência é contida quando há a celebração de um pacto social entre os indivíduos e quando se cria um Estado com poder para enquadrar, no ambiente coletivo, as vontades individuais.

Tratando apenas da primeira parte da teoria – daquela que concerne ao pacto social – os indivíduos combinam entre si que imporão limites para suas vontades originárias, ou seja, viverão em um tecido social aceitando que não podem invadir o espaço do outro; que não podem atentar contra a integridade física e a vida do outro; que não podem, enfim, fazer qualquer coisa que desrespeite o semelhante. Pactuam limites para a liberdade.

No ambiente social, no qual valem as regras do pacto, ninguém tem o direito de agir violentamente para conseguir o que quer; ninguém pode se valer da brutalidade para conformar a vontade de outra pessoa ou da sociedade a seu querer ou a seu modo de pensar, agir ou sentir. Os indivíduos estão subordinados a regras que são maiores que suas vontades individuais e precisam se esforçar para manter isso a fim de viverem em paz: um dos principais ganhos que a celebração do pacto oferece em contrapartida ao cerceamento da liberdade plena do estado de natureza.

Quando se opta pela barbárie, produz-se os efeitos contrários à paz: medo e insegurança – sensações típicas do estado de natureza. As ações hostis, ao invés de promoverem a evolução e o aperfeiçoamento, levam ao retrocesso. Implicam desumanização e criam clima de pavor e hesitação.

A vida social não é gratuita, ao contrário, cobra um alto preço dos indivíduos, mas a inteligência deixa claro que é sempre mais benéfica que a caótica experiência do estado de natureza. Em outras palavras: é sinal de inteligência e sabedoria pagar o preço pelo cumprimento das regras que garantem a estabilidade da vida civilizada; é ruim optar pela violência como estratégia que garante a sobreposição da vontade de um (ou de alguns!) sobre os demais.

Por fim, é bom deixar claro: a quebra das regras do pacto social só interessa (na improvável hipótese de interessar a alguém!) a quem tem força, pois o forte tem maior chance de levar vantagem quando se ignoram os limites do contrato. A parte mais frágil, que apoia ou estimula a inobservância das regras do jogo, é obtusa ou está sendo usada como fantoche. Algumas dicas:

- Desconfie de quem incita ou estimula a violência: verifique se é alguém forte, que levará vantagem; se é alguém tolo, que não entendeu as regras do jogo; se é alguém marionete, que segue manobrado por outros.

- Lembre-se: violência gera violência. A escolha por atos de violência leva à criação de uma rede cada vez mais violenta. É isso mesmo que você deseja para si e para a sociedade?

- A liberdade de cada pessoa termina onde começa a liberdade da outra pessoa. O respeito à liberdade não deve valer apenas enquanto tudo está de acordo comigo, mas deve valer também quando as coisas estão diferentes de minha forma de pensar.

12 maio 2023

O benefício fértil da dúvida

O reconhecimento do benefício da dúvida é um ato de benevolência que podemos oferecer às pessoas quando existem razões para pressupor que determinada situação pode ser diferente do que parece. O contrário do benefício da dúvida é a certeza baseada em “razões” superficiais, parciais ou equivocadas; é o que se pode chamar de certeza imediata estéril.

A certeza imediata estéril traz consigo dois riscos: 1) retira das pessoas a chance de apresentarem sua visão dos fatos ou os fundamentos de sua opinião; 2) desconsidera a história, isto é, ignora tudo aquilo que constitui as vivências da pessoa ao longo do tempo de sua história pessoal.

Quando a certeza imediata estéril atua na retirada da chance, a vítima fica impossibilitada de expor aqueles fundamentos que serviram de referência para que pudesse formar seu ponto de vista. A pessoa que não ofereceu o benefício da dúvida, por sua vez, perde a oportunidade de conhecer aquilo que realmente pensa seu interlocutor. Ambos perdem.

Quando a certeza imediata estéril atua na desconsideração da história, faz nascer o risco de injustiças, pois o dono da certeza, intencionalmente ou não, despreza toda a história da pessoa, julgando-a de forma particular, isolada e, muitas vezes, interpretada de maneira parcial ou até equivocada. Ambos perdem.

A prática do benefício da dúvida fértil, por outro lado, oferta boas possibilidades. Primeiro mantém o espírito do ouvinte aberto a diferentes formas de ver a realidade que o circunda. Isso viabiliza a compreensão do ponto de vista do interlocutor e, eventualmente, pode enriquecer ponto de vista do ouvinte. Detalhe: compreender (e respeitar!) o ponto de vista do outro não implica defender ou concordar; é perfeitamente possível pensar diferente de alguém, e, ao mesmo tempo, respeitar e compreender o que aquela pessoa pensa.

Um segundo ganho do benefício da dúvida fértil é proporcionar relações mais respeitosas, coerentes e justas à medida que considera a história de vida das pessoas e não apenas uma situação. O benefício da dúvida gera cautela na maneira de tratar as opiniões e os posicionamentos das pessoas, pois evita julgamentos precipitados ou até mesmo desconsideração de todo o histórico de vida por nós conhecido.

Não é razoável (para dizer o mínimo!) jogar na lata do lixo tudo o que sabemos ou conhecemos de alguém apenas porque aquela pessoa manifestou uma opinião diferente daquela que julgaríamos ideal ou correta. Se conheço alguém de longa data, sei que é uma pessoa honesta, cumpridora de seus deveres etc., não é justo dizer que tal pessoa é ladra, bandida, desonesta etc. por ter manifestado certa preferência política, por exemplo! É mais coerente oferecer o benefício fértil da dúvida.

O benefício da dúvida é fértil e a certeza imediata é estéril. Nossas ações, quando baseadas em certezas imediatas tendem à esterilidade; quando baseadas no benefício da dúvida tendem à fertilidade.

05 maio 2023

Culpa: paralisação ou reação

 Alegria e paz!

"O círculo da dominação se fecha quando a própria vítima do preconceito e do abandono social se culpa pelo destino que lhe foi preparado secularmente por seus algozes." (Jessé Souza).

 

Por mais estranho que possa parecer, é muito comum, nas diversas formas de dominação, o sentimento de culpa por parte de quem é dominado. Paradoxalmente, a vítima, embora padeça com as ações de violência e crueldade de seu agressor, sente que está passando por aquela situação de sofrimento por sua própria (e às vezes exclusiva!) culpa. A constatação de que a vítima pode sentir culpa pelas violências que sofre leva, entre outras, a duas possibilidades.

A primeira possibilidade é a paralisação. O sujeito, sobrecarregado por uma culpa equivocada e malcompreendida, sente-se desmotivado e incapacitado para reagir e para enfrentar a situação que o vitimiza. Esta paralização, evidentemente, cumpre um papel de manutenção do status, portanto, trabalha a favor do opressor e contra o próprio oprimido.

A paralização gerada pelo sentimento de culpa, muitas vezes, constitui objetivo esperado e planejado por quem atua como opressor, pois a culpa é bastante poderosa no controle dos pensamentos, dos sentimentos e das ações. Em outras palavras, o sentimento de culpa experimentado por uma vítima, interessa muito a quem tem a expectativa de manter o domínio sobre alguém.

Ademais, é bom esclarecer e insistir, que a culpa paralisante não é produzida apenas de quem a sente, mas tem íntima conexão com quem se beneficia dela, por isso é válido prestar atenção em algumas ações praticadas por quem quer fazer o outro se sentir culpado: chantagem emocional, acusação, transferência de responsabilidade própria para os outros etc.

A segunda possibilidade é a reação. Neste caso o sujeito descobre que não pode ser responsabilizado por estar sendo vítima de uma situação de humilhação, dominação ou exploração; sente que está injustamente acusado de ser autor ou coautor do próprio sofrimento; constata a armadilha que o aprisiona no cárcere falso de uma culpa que não deve e não precisa sentir.

A reação leva à recuperação da autonomia do sujeito, ou seja, ele assume (ou reassume) as rédeas de sua vida e reage às situações que levaram ao fatídico sentimento de culpa que não lhe pertence; faz um movimento de libertação das correntes que o aprisionavam e separa o que é responsabilidade própria daquilo que é responsabilidade de quem o vitimizava. A reação é um movimento de apropriação da liberdade que humaniza e dignifica; por meio deste movimento a pessoa encontra, ou reencontra, sua verdadeira essência e saboreia um especial sentido de vida.

De mais a mais, é importante destacar: a reação de alguém que vivia acabrunhado por uma culpa indevida não é bem-vista por quem se beneficiava daquela situação, por isso é necessário ficar atento para as reações: quem ama com amor saudável; quem quer o bem do semelhante; quem não quer se beneficiar da desgraça alheia defende, incentiva e vibra com a reação libertadora de quem se encontra condenado por uma culpa injusta e perversa.

Escolha ser responsável por si e abandonar as culpas que não são suas! Reaja!

28 abril 2023

Humanidade: um valor incontestável

O conceito de humanidade é um dos mais importantes produtos que a racionalidade já construiu, pois, por intermédio deste conceito se criou a compreensão de que a pessoa humana tem um valor inerente, intrínseco, logo, o exercício de direitos e deveres próprios do ser humano não precisa buscar fundamentos fora da natureza, devendo ser, pelo menos do ponto de vista lógico, de reconhecimento imediato.

Considerar a humanidade como valor, entre outras coisas, cria compromisso com duas atitudes: 1) agir considerando que nenhuma pessoa pode ser instrumentalizada para alcance de quaisquer finalidades; 2) considerar que cada pessoa é única, portanto, deve ser respeitada e tratada a partir de sua singularidade.

Cada pessoa carrega dentro de si a essência da humanidade. As contingências da vida sociocultural (condição econômica, grau de escolaridade, crença religiosa, orientação sexual etc.) ou as marcas biotípicas (altura, peso, cor, da pele, tipo do cabelo etc.), jamais podem servir de justificativa ou desculpa para que alguém seja tratado com esvaziamento de sua humanidade ou instrumentalizado para alcance de quaisquer objetivos.

Nenhum ser humano é escada para que alguém suba e chegue nalgum lugar; não é objeto para ser usado em favor de prazer unilateral; não é fonte de energia (bateria) a ser explorada para produzir lucro; não é massa para ser manobrada política, ideológica ou religiosamente em favor dos interesses de instituições ou grupos. Compreender que a humanidade inteira pulsa dentro de cada ser humano é comprometer-se a não compactuar com todas as formas de instrumentalização das pessoas.

A instrumentalização do ser humano é sempre imoral e vergonhosa. Inaceitável e eticamente escandalosa, pois transforma em meio, um ser que nasceu para ser fim. O humano é fim em si mesmo. Sua realização (felicidade em todas as dimensões do existir) deve ser o fim a ser perseguido. Deve ser a meta almejada e passível de ser alcançada.

O reconhecimento da humanidade de cada pessoa leva a outro compromisso: perceber e respeitar cada ser humano como único. Nenhuma pessoa é igual a outra; cada pessoa, dotada da essência da humanidade, é absolutamente ímpar, logo, não é lógico, não é racional, não é sinal de inteligência esperar que os comportamentos individuais, os desejos, os sonhos, a forma de pensar, crer e sentir sejam idênticos.

A imposição de padronização, especialmente quando viola ou violenta a especificidade de cada ser, é desumanizante, ou seja, fere a humanidade que pulsa no indivíduo. Cada pessoa goza do direito de buscar sua realização a partir de suas características; cada pessoa precisa ter as condições necessárias (oportunidades reais) para se desenvolver a partir daquilo que julgar o melhor para si, sem ser decotada em sua humanidade porque não se enquadra em padrões. O respeito à humanidade de cada pessoa se materializa na aceitação da particularidade que individualiza e identifica cada ser humano como único.

Os avanços e desenvolvimentos; as teorias e interpretações, que ignoram a humanidade latente em todos e em cada ser humano, é duvidosa, portanto, busquemos os caminhos de aperfeiçoamento que não instrumentalizam as pessoas e que respeitem as características de cada ser humano.

O valor da pessoa e as redes de proteção

A pessoa humana é dotada de uma dignidade inviolável e inafastável, cujo fundamento é o próprio fato de ser pessoa, ou seja, a dignidade da pessoa humana não vem de fora; não nasce por causa de uma lei ou de uma filosofia; não se limita a uma fé religiosa. A dignidade, isto é, o valor natural e inseparável de cada pessoa, existe a partir do instante que a pessoa é concebida.

A clareza de que a pessoa tem uma dignidade intocável deve ser o ponto de partida para as interpretações sobre a vida e sobre a sociedade, de tal forma que sempre se pregunte: esta situação fere a dignidade da pessoa humana? Esta decisão – individual, comunitária, social, governamental – coloca em risco ou gera prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para uma pessoa ou para um grupo de pessoas? Toda vez que a resposta for sim para estas e outras perguntas semelhantes, vale a pena auto avaliar ou avaliar os pensamentos, sentimentos e ações.

A dignidade da pessoa, todavia, não é apenas um discurso teórico ou um princípio abstrato a ser usado em discursos ou textos reflexivos, ao contrário, a dignidade humana deve ser garantida nas situações concretas da vida cotidiana; deve ser assegurada na efetivação dos direitos de cada pessoa, de cada indivíduo. Não tem sentido reconhecer a dignidade da pessoa humana nas declarações jurídicas, filosóficas e teológicas e deixá-la perecer na vida das pessoas, pois é exatamente aí, na vida de cada ser humano, que sobrevive ou morre a dignidade humana.

A preservação e a valorização da dignidade humana acontecem, de forma mais eficiente, quando as redes de relações sociais compreendem seu papel e se tornam territórios favoráveis ao desenvolvimento integral da pessoa. Redes de proteção saudáveis e honestas representam ambiente fértil para o cultivo da dignidade humana e mecanismos de fiscalização que coíbem as ameaças.

A primeira rede social importante é a família. A família precisa ter as condições necessárias para fazer com que seus membros – desde quem está na vida intrauterina até os que estão na velhice – sejam respeitados como pessoas, sintam a força do amor que os une e tenham as condições materiais, emocionais e espirituais para o crescimento e o bem viver. A família precisa cultivar práticas que estimulem respeito e valorização de cada membro.

A segunda rede importante é a comunidade. O ser humano que tem laços comunitários possui maiores condições de realização como pessoa. A comunidade é o espaço onde as pessoas experimentam o sentimento de pertença a um grupo maior que a família e descobrem que suas angústias e dores, suas alegrias e tristezas são comuns a mais pessoas; na comunidade nasce o espírito de solidariedade, de voluntariado, de partilha; nascem os laços que fortalecem para os desafios da vida.

A terceira rede é a escola, território da educação formal que deve preparar para a vida adulta, para a convivência social equilibrada e para o mercado de trabalho. A escola deve cuidar para que seus processos jamais sejam excludentes; deve se levantar contra os privilégios que perpetuam as desigualdades. A escola deve estimular a criatividade e o respeito à diversidade; deve garantir que alunas e alunos tenham as condições necessárias para serem aquilo que são e para que se desenvolvam na direção que sonharam.

Pessoas respeitadas e empoderadas na família, na comunidade e na escola se tornam mais conscientes de seus papeis na sociedade – quarta rede de relações sociais. Uma sociedade é tão melhor e mais justa quanto mais consegue desenvolver compromisso com a dignidade de cada pessoa.

UM ESPAÇO A MAIS!!!

Blog dedicado à partilha de informações e materiais de apoio das disciplinas que leciono e à publicação dos artigos que escrevo. Espaço virtual de democratização da busca pelo saber. "Espaço" reservado à problematização e à provocação! Um potencializador das indagações nossas de cada dia. Um Serviço!

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CAROS AMIGAS E AMIGOS!

ESPERO E DESEJO:

QUE A ESPERANÇA SEJA NOSSA GUIA;

QUE A PERSEVERANÇA SEJA NOSSA COMPANHEIRA DE ESTRADA;

QUE O AMOR SEJA NOSSO ALIMENTO COTIDIANO;

QUE O BOM HUMOR SEJA NOSSO PAR INSEPARÁVEL NO BAILE GOSTOSO DA VIDA;

QUE OS RECOMEÇOS SEJAM SINAIS DE NOSSAS TENTATIVAS.

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PENSE, AVALIE-SE, PLANEJE...

VAMOS CONSTRUIR UM ANO CHEIO DE CONQUISTAS:

"Quem não tem jardins por dentro não planta jardins por fora e não passeia por eles" (Rubem Alves).

Invista, antes de tudo, em seus jardins interiores, para ser capaz de ver a beleza dos jardins de fora.

ESCOLHA COMO VOCÊ QUER SER:

"Existem pessoas que choram porque as rosas têm espinhos...

existem outras que dão gargalhadas porque os espinhos têm rosas" (Confúcio).

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